Campanha de Controlo Populacional de Tartarugas Exóticas
Conservação do cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) e seus habitats no concelho de Almada: controlo de espécies exóticas invasoras de tartarugas de água doce
O cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) é uma espécie nativa de tartaruga de água doce, que em Portugal ocorre sobretudo no interior e metade sul do país. É um habitante discreto de charcos, lagos e cursos de água de reduzida corrente, por regra preferindo ecossistemas com muita vegetação aquática e elevada insolação das margens.

No Concelho de Almada, esta espécie encontra-se apenas de forma pontual, estando limitada a umas poucas zonas húmidas de água doce, como por exemplo os lagos e tanques do Parque da Paz e Herdade da Aroeira. No entanto, a sobrevivência destas populações encontra-se ameaçada por vários fatores, sendo um dos mais importantes o impacto das espécies exóticas invasoras introduzidas nestes ecossistemas, que não só colocam em causa a sua subsistência, como também prejudicam o equilíbrio dos ambientes aquáticos.
Torna-se assim necessário implementar medidas de controlo das espécies invasoras, que assegurem a conservação das reduzidas populações de cágado-mediterrânico em Almada, criando condições para a sua sobrevivência, abrigo e reprodução.
Espécies exóticas invasoras: uma séria ameaça à biodiversidade
A introdução de espécies exóticas é atualmente um dos principais problemas de conservação da natureza em todo o mundo, uma vez que estas ameaçam a biodiversidade e os ecossistemas nativos, especialmente quando se tornam invasoras:
- Espécie exótica: qualquer espécie de animal, planta, fungo ou microrganismo que tenha sido introduzida por ação do homem, de forma acidental ou intencional, fora da sua área de distribuição natural, podendo ou não ser prejudicial para os ecossistemas onde foi introduzida.
- Espécie invasora: espécie exótica, cuja introdução na natureza ou propagação num dado território, ameaça ou tem um impacto adverso na diversidade biológica, no equilíbrio dos ecossistemas e nos serviços a estes associados.
Portanto, nem todas as espécies exóticas são invasoras, mas todas as espécies invasoras são exóticas. Para que uma espécie exótica seja reconhecida como invasora, tem que provocar algum tipo de efeito negativo sobre as espécies nativas, os ecossistemas naturais, a agricultura, as florestas e a saúde humana.
Em Portugal, esta grande preocupação está refletida nas diretrizes do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, bem como na Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030, a qual defende uma visão de longo prazo para a melhoria do estado de conservação do património natural.
A efetiva salvaguarda das espécies nativas passa também, obrigatoriamente, pelo controlo e/ou erradicação das espécies exóticas invasoras, tal como previsto no Decreto-Lei n.º 92/2019, sejam algas, plantas, animais invertebrados ou animais vertebrados.
Da América para a Europa: tartarugas exóticas de água doce
Ao longo das últimas décadas, várias espécies de tartarugas exóticas de água doce, na sua maioria originárias da América do Norte, têm vindo a ser introduzidas na Europa e em Portugal por ação do homem, seja de forma acidental ou intencional, mas nunca autorizada. A introdução destas tartarugas resulta, sobretudo, da sua comercialização como animais de estimação e posterior fuga ou libertação deliberada, sendo prática comum o abandono destes animais na natureza.
A mais abundante destas espécies, também no Concelho de Almada, é a Tartaruga da Flórida (Trachemys scripta), da qual terão sido libertados nos meios naturais milhares de indivíduos de várias subespécies, que se distinguem pela cor e orientação das riscas da cabeça.

A Tartaruga da Flórida é uma das espécies exóticas mais problemáticas, pois tem invadido muitos ecossistemas de água doce e destruído o seu equilíbrio ecológico, pelo que é essencial evitar a sua libertação na natureza e controlar as suas populações estabelecidas. Na verdade, é considerada uma das 100 espécies exóticas invasoras com maior impacto a nível mundial, sendo estritamente proibida a venda ou detenção de todas as subespécies desta tartaruga.
Entre 1989 e 1997, antes da proibição da sua comercialização, foram exportados dos Estados Unidos aproximadamente 52 milhões de indivíduos, apenas de uma das subespécies, a maioria dos quais com destino à Europa. Durante o projeto LIFE TRACHEMYS, decorrido em Portugal e Espanha entre 2011 e 2013, foram capturados, só na Península Ibérica, cerca de 23 mil indivíduos, o que demonstra bem a dimensão deste grande problema ecológico.
No Concelho de Almada têm sido também registadas, de forma esporádica, outras espécies exóticas de tartarugas, igualmente provenientes da América do Norte e introduzidas em resultado de fugas de cativeiro e libertações intencionais não autorizadas.

Todas estas tartarugas exóticas de água doce fazem parte da Lista Nacional de Espécies Invasoras, que identifica as espécies para as quais é reconhecido o estatuto de invasora em Portugal, ou seja, com impactos significativos na biodiversidade nativa.
Torna-se, assim, absolutamente necessário tomar medidas de controlo e/ou erradicação destas espécies, tal como previsto no Decreto-Lei n.º 92/2019, que determina também ser proibida a detenção, criação, comércio, introdução na natureza e repovoamento de tartarugas invasoras que pertençam aos géneros Trachemys, Graptemys e Pseudemys.
Tartarugas exóticas invasoras: uma introdução com impactos graves
A introdução de tartarugas exóticas invasoras resulta numa série de impactos ecológicos muito significativos, que perturbam o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos e ameaçam seriamente as espécies nativas:
- Predação de invertebrados, peixes, anfíbios, répteis e aves nativos
- Competição com as espécies nativas de cágados por alimento, locais de nidificação e de termorregulação (toma de sol)
- Destruição de ninhos de aves aquáticas
- Transmissão de doenças e parasitas aos cágados nativos (que não desenvolveram resistência a estas ameaças)
A ocorrência das tartarugas exóticas invasoras nas mesmas zonas húmidas do cágado-mediterrânico, tais como acontece em Almada nos lagos e tanques do Parque da Paz e Herdade da Aroeira, coloca em risco a sobrevivência das populações desta espécie nativa (que se pode extinguir localmente), além de causarem graves perturbações na generalidade dos ecossistemas aquáticos, afetando também uma grande variedade de outras espécies nativas.
Adicionalmente, algumas das espécies exóticas, nomeadamente as tartarugas predadoras norte-americanas de maior porte, podem não só ser agressivas e perigosas para o homem, como serem também portadoras de bactérias causadoras de doenças transmissíveis ao ser humano, tais como a Salmonella.
Introdução de tartarugas exóticas: um problema com mão humana
A introdução de tartarugas exóticas resulta, em grande parte, da sua comercialização como animais de estimação e consequente fuga ou libertação deliberada por ação do homem.
Apesar da comercialização de várias espécies ser atualmente proibida por lei (Decreto-Lei n.º 92/2019), durante muito tempo foi prática comum a importação destes animais a partir do continente americano para serem vendidos e mantidos como animais de companhia, especialmente enquanto indivíduos jovens de pequena dimensão.
No entanto, ao crescerem e atingirem dimensões significativas, muitas destas tartarugas acabam por ser abandonadas pelos seus detentores em rios, charcos e lagos, tal como acontece com frequência no Parque da Paz e Herdade da Aroeira, onde se estabelecem em definitivo.
Nestes locais seminaturais, as resilientes e adaptáveis tartarugas exóticas reproduzem-se em grande quantidade e acabam por dispersar para áreas naturais vizinhas, tornando-se assim invasoras que ameaçam a biodiversidade e degradam a qualidade de zonas húmidas com excecional valor ecológico e muito sensíveis, como por exemplo a Lagoa de Albufeira ou os charcos mediterrânicos temporários do Parque Metropolitano da Biodiversidade, no Seixal.
Solução para o problema: o que pode (e deve) ser feito
Do ponto de vista da conservação da natureza, nomeadamente no que respeita à preservação dos ecossistemas aquáticos e salvaguarda das espécies nativas de cágados, o controlo das espécies exóticas invasoras de tartarugas de água doce constitui uma medida prioritária a nível nacional, tal como preconizado na Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030, a ser observada por todas as entidades públicas a nível nacional.
Foi por esta razão que o Fundo Ambiental, através do Aviso n.º 11545/2023, abriu uma linha de financiamento para apoio a projetos direcionados especificamente para a erradicação e controlo de espécies invasoras prioritárias, entre as quais se incluem as tartarugas exóticas de água doce.
Em face da situação existente no Município de Almada, onde se verifica a ocorrência de grande número de tartarugas exóticas em áreas como o Parque da Paz e Herdade da Aroeira, esta possibilidade de apoio financeiro constitui uma excelente oportunidade de intervenção ecológica, que permite ao município obviar este grave problema ambiental através da implementação, não só, de ações de erradicação e controlo destas populações de tartarugas exóticas invasoras, mas também de ações de sensibilização dirigidas ao público em geral, que têm como objetivo principal a conservação das populações nativas de cágado-mediterrânico.
Outros projetos de controlo de tartarugas exóticas invasoras em Portugal:
- Projeto LIFE TRACHEMYS (2011-2013)
- Projeto de controlo de tartarugas exóticas no Parque da Paz (2020-2021)
- Projeto de controlo de tartarugas invasoras pela Universidade de Évora (2024-2025)
Controlo de tartarugas exóticas em Almada: em prol do cágado nativo
O projeto “Conservação do cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) e seus habitats no concelho de Almada: controlo de espécies exóticas invasoras de tartarugas de água doce”, proposto pela Câmara Municipal de Almada com vista a dar resposta a este grave problema ambiental, mereceu parecer favorável do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas e recebeu financiamento do Fundo Ambiental para a sua execução, com um plano de trabalhos a decorrer durante o ano de 2025.
A par de outras áreas naturais acessórias (tais como a Ribeira da Foz do Rego, Ribeira de Vale Bem e Lagoa da Praia do Bico da Areia, igualmente suscetíveis de invasão pelas tartarugas exóticas), foram selecionadas duas áreas seminaturais principais para intervenção no âmbito deste projeto, onde estas invasoras são mais abundantes e se torna mais premente controlar as suas populações:
- Parque da Paz, por constituir um dos principais ecossistemas de água doce do concelho, com uma biodiversidade aquática assinalável, notoriamente ameaçada pela presença das tartarugas exóticas invasoras
- Herdade da Aroeira, por constituir uma área de grande dimensão, com uma grande variedade de corpos de água doce (charcos, lagos e tanques) e bastante próxima da Lagoa de Albufeira (cerca de 5 km em linha reta), a qual consiste numa área natural protegida e ecologicamente sensível que pode ser facilmente colonizada a partir da Herdade da Aroeira
Este projeto tem como principais objetivos:
- Erradicação das populações de tartarugas exóticas invasoras que atualmente abundam em lagos seminaturais do Concelho de Almada, com vista a aliviar a pressão ecológica sobre o ameaçado cágado-mediterrânico nativo, bem como a suprimir estes potenciais focos de dispersão de tartarugas invasoras para áreas naturais vizinhas
- Sensibilização da população humana residente e frequentadora destes espaços, com vista a desencorajar a posse ilegal de tartarugas exóticas e, sobretudo, a evitar a sua libertação nos ecossistemas naturais
O projeto conta com a participação de uma equipa de biólogos profissionais da Associação Vita Nativa, uma entidade com vasta experiência em ações práticas de conservação e controlo de exóticas invasoras, e detentora das licenças legalmente exigidas para o efeito, a qual será responsável pela operacionalização da campanha de capturas e encaminhamento dos animais.
Remoção das tartarugas: um mal necessário
Tendo em conta os números astronómicos de indivíduos comercializados e capturados em campanhas anteriores, estima-se que as ações de captura presentemente a decorrer em Portugal venham a recolher um elevado número de indivíduos (na ordem de largos milhares), o que ultrapassa em muito a capacidade dos centros de recolha licenciados (insuficientes para estas quantidades) e, portanto, inviabiliza a sua manutenção em cativeiro.
Adicionalmente, de acordo com o disposto na legislação em vigor, que abrange a maioria das tartarugas exóticas em causa (espécies dos géneros Trachemys, Graptemys e Pseudemys, sobretudo), o encaminhamento dos animais capturados para eventual adoção por particulares também não é possível, uma vez que a lei proíbe a detenção de exemplares de espécies invasoras (Decreto-Lei n.º 92/2019).
Por essa razão, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) emitiu um parecer prévio favorável à realização da campanha de captura no Concelho de Almada, reconhecendo a necessidade de proceder ao controlo das tartarugas exóticas invasoras, mas condicionado ao cumprimento de algumas indicações adicionais, por via da incapacidade para esterilizar e/ou recolher os exemplares capturados.
Neste parecer, o ICNF refere especificamente qual o destino a ser dado aos exemplares das espécies exóticas que venham a ser capturados durante as ações de controlo e erradicação:
- “Considerando a possibilidade de captura de um elevado número de exemplares de espécies exóticas e a ausência de capacidade de esterilização dos mesmos e de disponibilidade de locais adequados para a sua manutenção posterior, deverá ser prevista a sua eliminação.”
A este propósito, é ainda referido pelo ICNF o seguinte:
- “Evocando o Princípio da Precaução, o encaminhamento final dos cadáveres deve também ser acautelado e orçamentado junto de empresas que recolham os animais, na medida em que se trata de animais selvagens que podem (ou não) estar infetados com doenças transmissíveis aos seres humanos ou aos animais.”
Em face da inexistência de alternativas viáveis à luz da legislação em vigor, e cumprindo com as orientações expressas do ICNF quanto ao destino final dos exemplares capturados, os indivíduos de tartarugas exóticas removidos dos habitats aquáticos do concelho durante esta campanha deverão ser eliminados por eutanásia e encaminhados para incineração.
O procedimento de eutanásia segue a diretrizes de “A manual for the management of vertebrate invasive alien species of Union concern, incorporating animal welfare”, publicado pela União Europeia, o qual, para espécies como as tartarugas, recomenda a aplicação de injeção de anestésico em doses letais, de modo a garantir um processo rápido, indolor e sem sofrimento para os animais.
Perguntas Frequentes
- Porque têm as tartarugas exóticas que ser capturadas e removidas?
Porque a presença destas invasoras nos ecossistemas aquáticos provoca graves desequilíbrios ecológicos e ameaça a sobrevivência de várias espécies nativas.
- Porque não são apenas esterilizadas e devolvidas ao habitat?
Porque nesse caso permaneceriam nos ecossistemas aquáticos, continuando a provocar desequilíbrios ecológicos e ameaçando a sobrevivência de espécies nativas.
- Porque não são encaminhadas para centros de recolha e/ou mantidas em cativeiro?
Porque não existem suficientes locais licenciados e com as condições adequadas para recolher e manter os milhares de tartarugas que serão capturados.
- Porque não são encaminhadas para particulares que as queiram adotar?
Porque a detenção de espécies exóticas invasoras, com enorme potencial para provocar impactos graves na biodiversidade, é proibida por lei (Decreto-Lei n.º 92/2019).
- Porque têm que ser eutanasiadas e incineradas?
Porque não existe alternativa de encaminhamento para o número elevado de indivíduos capturados e porque existe a possibilidade de transmissão de doenças aos humanos.
Cágado-mediterrânico: como ajudar a conservar
A conservação das populações nativas de cágado-mediterrânico, e a preservação dos ecossistemas aquáticos do concelho, dependem de boas tomadas de decisão e ações corretas de todos:
Não adquira tartarugas exóticas invasoras dos géneros e espécies que constam da Lista Nacional de Espécies Invasoras (LNEI), cuja detenção é proibida por lei (Decreto-Lei n.º 92/2019). Informe-se previamente, de modo a não incorrer em incumprimento legal.
Não adquira outras tartarugas exóticas sem se informar sobre a sua biologia (por exemplo, o tamanho que atinge e qual a época de hibernação) e pondere bem se poderá manter o animal durante todo o seu período de vida (que, no caso das tartarugas, é bem longo).
Se possui uma tartaruga exótica e já não tem condições para cuidar dela, não a liberte na natureza. Contacte as entidades competentes para a receberem e darem o encaminhamento adequado.
Se observar tartarugas exóticas invasoras na natureza, ou à venda em estabelecimentos comerciais, informe igualmente as entidades competentes para as recolherem.
Contactos das entidades competentes:
SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR
808 200 520
ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
exoticas@icnf.pt
Nunca liberte animais exóticos na natureza!
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