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Percursos de autor - Naide Gomes

Naide Gomes

Distinguiu-se no atletismo, representando Portugal nas olimpíadas de Sydney, Atenas e Pequim. Retirou-se das grandes competições, assumindo que a sua pista de atletismo apenas mudou de forma, uma vez que os horizontes permanecem amplos e a trajetória bem delineada. Naide Gomes é mãe de dois rapazes, fisioterapeuta de profissão e a partir de um local que lhe é marcante, o Parque da Paz, partilha um pouco do que deu a Almada e do que Almada deixou em si.

Texto de Charlene Izaque
Fotografia de Carlos Valadas

 

Era uma criança quando veio viver para Almada. Como descreveria o seu processo de adaptação e que recordações guarda desses tempos?
É verdade, tinha apenas nove anos quando vim viver para Almada. Vim com a minha irmã. A minha mãe já cá estava. Foi uma mudança muito radical, que nos custou imenso, porque deixámos lá a minha avó e os nossos amigos. Deixámos o nosso mundo para conhecer um outro mundo. Éramos crianças e esperávamos encontrar um lugar mágico. Evidentemente que não foi bem assim. Mas apesar desse choque inicial, a adaptação acabou por ser muito fácil, até porque fomos, felizmente, muito bem recebidas nas diferentes escolas em que estudámos. Visualmente, tudo era diferente naquele tempo, mas as pessoas mantêm-se iguais. Devo dizer que a Almada de hoje está mais desenvolvida e que melhorou muito. Por exemplo, o Parque da Paz, que eu costumo dizer que é a minha segunda casa, sofreu uma grande restruturação. Está mais bonito este Parque, que sem dúvida é o pulmão da cidade. Almada cresceu e está de parabéns, porque é notória e merecida essa evolução.


Referiu-se ao Parque da Paz como a sua segunda casa e escolheu o Parque da Paz para esta entrevista. Porquê?
Este parque viu-me crescer enquanto atleta e pessoa. Guardo muitas recordações, porque grande parte dos meus treinos decorriam aqui. Naquela época, não tínhamos um local para ir treinar. Agora é que já existe a Pista de Atletismo da Sobreda. Neste parque, fazíamos treinos intensos, e posso dizer, sofridos. Mas devo também afirmar que foram vividos momentos inesquecíveis junto dos meus colegas e treinadores. Mesmo depois de entrar na alta competição, muitas vezes por semana vinha para aqui treinar. O meu treinador vinha de Sintra até Almada para conseguirmos realizar os treinos. Vivi em Almada até aos 27 anos e este era o meu parque. Ainda é.


Viveu até à idade adulta em Almada. Foi aqui que iniciou a sua carreira de atleta?
Exatamente. Tudo começou nas aulas de educação física. O meu professor resolveu fazer um concurso de salto em altura, entre rapazes e raparigas, e eu consegui saltar 1.50cm, ganhando o concurso. Lembro-me que na altura o professor ficou muito impressionado, tendo em conta a minha idade e inexperiência. Eu tinha 12 anos e nunca tinha treinado. Desta forma, surgiu o convite por parte do professor Mota Capitão, para ingressar no desporto escolar. Fiquei entusiasmada com a possibilidade, mas simultaneamente relutante, porque o meu compromisso era com os estudos. Vim para Portugal para estudar. Contudo, a minha mãe permitiu e apoiou, na condição de as minhas notas não descerem. Foi assim que o atletismo chegou a mim, mas nunca descurando os estudos, até porque devia isso à minha mãe, que tanto se esforçou pelas filhas.


Almada é um concelho particularmente intercultural. Essa interculturalidade teve impacto no seu crescimento? Trouxe-lhe benefícios, incentivos?
Almada é sem dúvida uma cidade multicultural e o intercâmbio entre culturas enriqueceu-a e teve um impacto muito positivo em mim. Acolher o outro e beber da sua cultura é algo que só pode ser salutar. A prática desportiva é um caso sério no que toca à interação com outras nacionalidades. Cá em Almada, o meu grupo de treino era composto por atletas de Cabo Verde, da Ucrânia, de Moçambique, entre outras nacionalidades. A área desportiva e, consequentemente, a diversidade cultural, trouxe-me mais experiências, tranquilidade, abertura e riqueza.


Temos vários almadenses reconhecidos, nas mais diversas áreas. Quer comentar este facto? E o que será necessário para uma criança ser bem sucedida? Bastará ter talento?
Digo sempre que em Almada há vários talentos. Temos o exemplo da Telma Monteiro, no desporto, da Sara Tavares e do Carlão, na cultura, e da Elvira Fortunato, no campo científico. Fiquei muito orgulhosa, quando soube que a Elvira Fortunato foi distinguida com um prémio de liderança feminina em Portugal. Cheguei a conhecê--la e foi um prazer. Almada é uma grande cidade e eu acho que a multiculturalidade em muito contribui para este leque de talentos. A capacidade de criar está muito ligada ao facto de haver toda esta abertura, sem dificuldades em aceitar a diferença. Almada não é uma cidade fechada em si. Quanto ao que será necessário, para uma menina ou menino ganharem destaque, acredito que é o empenho e o trabalho. A composição genética, por exemplo, pode ajudar bastante, mas a disciplina e o sermos apaixonados por aquilo que fazemos, é determinante. Também é essencial que acreditem em nós. Se eu não tivesse o apoio do meu professor de educação física, quando era criança, dos meus treinadores e da minha família, jamais chegaria onde cheguei.


Imagine que teria que planear um dia inteiro, em Almada, com um amigo ou amiga. O plano é surpreender. Que roteiro fariam?
Traria uma amiga minha de nacionalidade ucraniana. Bom, em primeiro lugar, vínhamos para este parque, o Parque da Paz, para fazermos um piquenique com direito a cestinha, como nos filmes. Já o fiz com o meu marido… (Risos). Seguíamos para Almada Velha, para apresentar-lhe o Cristo Rei e aquele cenário maravilhoso sobre o Tejo. Depois, passaríamos por Cacilhas, porque é um local de que guardo boas memórias. Fiz muitas vezes o percurso de Cacilheiro para ir treinar. Claro que, depois, teríamos que ir às praias da Costa de Caparica, para dar uns belos mergulhos. O final da noite seria passado num restaurante que tem uma vista fabulosa, com um pôr do sol imperdível, o Amarra Ò Tejo. Tenho a certeza que seria um dia fantástico e a minha amiga iria adorar.


Qual a mulher que mais a inspira (círculo pessoal e mediático) e, em particular, para esta nova geração de meninas, jovens mulheres, que mensagem gostaria de deixar?
Do círculo pessoal, obviamente, a minha mãe. A minha mãe é tudo. Ela é o meu mundo. Do círculo mediático, a Michele Obama e a Madre Teresa de Calcutá. Todas elas têm em comum, o amor próprio, o amor ao próximo e muita determinação. Para estas meninas e jovens mulheres, a mensagem é que gostem delas próprias. Que nunca aceitem que lhes digam que são inferiores. Queiram saber sempre mais, é com o conhecimento que se alcança a emancipação. É importante, também, o autoconhecimento, pois ele leva-nos a grandes feitos. Não há que ter medos e há que reconhecer as nossas características.

Desafiem-se, mas sem comparações cruéis. Somos inigualáveis.