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Percursos de Autor - Anabela

Anabela por Raquel França
No Cais do Ginjal, ao avistar um cacilheiro, vêm à memória os tempos de estudante universitária. ©Raquel França

Com apenas 11 anos lançou “Rock do Amor”, o primeiro single, mas foi a interpretação de “A Cidade (até ser dia)” que mostrou ao mundo e pôs à prova uma jovem cheia de sonhos e magia na voz. Almada foi a cidade que viu Anabela Pires nascer e dar os primeiros passos para uma vida ligada à música e ao teatro musical.

Texto de Paulo Teixeira
Fotografia de Raquel França

Quando olhamos a letra da canção imortalizada naquele Festival da Canção de 1993, a curiosidade pode levar-nos a questionar que cidade será aquela que está à nossa frente, que é minha, tua e de toda a gente. Aparenta ser, sem dúvida, um território de muitos. À medida que vagueamos pelas raízes e memórias de Anabela, quase que as confundimos com alguns dos versos dessa canção - as amizades, o convívio, as paixões, por entre as ruas, bares e jardins, até ao cair da noite na cidade de Almada.

“Entre um gin e um beijo
Vamos nós de bar em bar
Sinto tudo o que vejo
Há um brilho no ar”

Convidámos Anabela a revelar-nos a “sua” Almada e iniciamos o percurso no nº 45 da Avenida Rainha Dona Leonor, na Cova da Piedade. Foi ali, naquele primeiro andar por cima da Farmácia Atlântico que, há 47 anos, a cantora e atriz viu pela primeira vez a luz do dia. Nascer em casa já não era uma prática muito usual naqueles tempos, mas certamente tornou ainda mais fortes os laços entre indivíduo e terra. Apesar de morar atualmente noutra zona do concelho, são bem notórios esses laços, ao cruzar-se com um antigo vizinho que morava no mesmo prédio que, entre sorrisos e abraços, não conseguiu esconder a felicidade em revê-la. “Esta é a minha cidade do coração, é aqui que tenho as minhas origens, as minhas raízes e grande parte da minha história. Aqui nasci e vivo. Almada é a minha casa."

Seguindo viagem, as memórias de Anabela foram parar ao Largo 5 de Outubro e aos momentos inesquecíveis que viveu no Jardim da Cova da Piedade. Neste local deu alguns concertos em início de carreira, mas o brilho no olhar denunciava um em particular. “Quando ganhei o Festival da Canção fiz aqui um concerto que me ficou na memória. O jardim estava completamente cheio, com todos os meus amigos, família e os almadenses a cantarem e a aplaudirem ‘A Cidade (até ser dia)’. Foi uma noite excecional, cheia de alegria e essencialmente de partilha com os meus conterrâneos.” O jardim era também local de encontro para “cavaqueira e grandes jantaradas no restaurante Jardim”, seguidas de noites animadas em Almada velha ou até mesmo de uma travessia de cacilheiro até ao Jamaica, em Lisboa. Anabela regressou recentemente ao Largo 5 de Outubro. Esteve em destaque num concerto de gala da Sociedade Filarmónica União Artística Piedense (SFUAP) e expressou a sua felicidade por partilhar o palco com a Banda Filarmónica da SFUAP “uma banda que é da minha terra, da Cova da Piedade”.

A um passo do Jardim da Piedade, o Cais do Ginjal evoca memórias da adolescência, da juventude, do tempo passado entre amigos e dos namoros, com as luzes da capital a adornar um cenário perfeito. “Esta é uma zona muito privilegiada. Os restaurantes, o rio, os cacilheiros.” E ao ver um cacilheiro a fazer a travessia do Tejo, Anabela sorri e revela a memória dos “tempos de estudante universitária, que adorava. Este passeio fluvial é inspirador, bonito e relaxante.” Anabela formou-se em Psicologia pelo ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. Da sua tese de mestrado, que atestou os benefícios terapêuticos do canto em grupo para a comunidade sénior, nasceu um projeto do qual é mentora e coordenadora, “Cante pela sua Saúde - Sing4Health”. A iniciativa ganhou vida com o apoio da Fundação Belmiro de Azevedo, Ministério da Cultura e Direção-Geral das Artes, começou por ser implementada nas comunidades seniores da Santa Casa da Misericórdia de Almada e de Lisboa, e está agora na sua 2ª edição em Vila Nova de Gaia.

Subimos até Almada Velha. Aqui, o Cheers era muitas vezes ponto de encontro para um brinde e dois dedos de conversa. Em alternativa, “cantar à capela na Boca do Vento, rir e conversar entre amigos” pelas ruas, aproveitando as paisagens típicas da zona, era palavra de ordem e mote para uma noite bem passada. Já as tardes de domingo tinham um gosto especial na Academia Almadense. “Adorava assistir às matinés de cinema numa sala incrível, sempre cheia. Era um acontecimento e um privilégio poder desfrutar deste espaço com os amigos.” O teatro tem também um lugar especial no coração de Anabela. Ainda se lembra de ir ver algumas peças ao “teatrinho mais pequenino”. Joaquim Benite e António Assunção foram nomes que também vieram à baila nesta conversa, onde falou com entusiasmo sobre o talento enorme dos atores e da grande qualidade do que sempre se fez no nosso concelho ao nível desta arte. “A minha tia Emília era mestra de guarda-roupa no teatro e eu ia muitas vezes ver as estreias. Era muito pequenina, mas aquilo marcou-me bastante. Quem diria que viria a fazer teatro!”

Pusemo-nos a caminho do Parque da Paz. Para Anabela, poder desfrutar de um espaço verde com esta dimensão em plena cidade é terapêutico e de extrema importância para a qualidade de vida dos almadenses. “São locais destes que nos fazem bem. É um espaço de grande importância para Almada. É um local de descontração, de reflexão, ideal para a prática de desporto, para convívio, fazer piqueniques e sobretudo pelo contacto com a natureza”.

A viagem até à Costa da Caparica foi pautada por uma agradável conversa onde Anabela ia falando de tantos outros sítios importantes e marcantes. Não faltaram as referencias a Porto Brandão e ao restaurante Mare Viva, à zona da Trafaria, a S. João e ao extraordinário Convento dos Capuchos, que já foi palco do “Cante Pela Sua Saúde”. Alimentada pelo amor à sua terra, Anabela revela a intenção de trazer de volta este projeto a Almada. Chegados à Costa, a cantora confessa que, apesar da Fonte da Telha ser a sua praia de eleição, até pela proximidade à sua atual residência, para Anabela o paredão da Costa da Caparica convida a passeios contemplativos e a degustação do que os “simpáticos restaurantes locais” têm para oferecer. Encerramos assim um percurso cheio de memórias e de momentos bem presentes, onde cada local, cada nota ou cada palavra faz ecoar o seu amor por Almada. E, à medida que se aproxima o marco dos 40 anos de carreira em 2024, Anabela planeia celebrar esta data significativa com o lançamento de uma nova canção simbólica e com um espetáculo especial, quem sabe, num dos locais que visitámos.