Percursos de autor - Hugo Pinheiro
As boas condições climatéricas num dos primeiros dias de janeiro, destoando da chuva que teimou em aparecer no início do ano, levou-nos à Cova do Vapor onde tínhamos marcado encontro com Hugo Pinheiro, figura incontornável do bodyboard nacional e internacional, e que tem em Almada, especialmente na Costa da Caparica, as suas raízes.
Texto de Joana Mendes
Fotografia de Anabela Luís
“O meu trisavô e bisavô são pessoas da Costa e a vida deles sempre foi a pesca. Usavam barcos a remos e chegavam a ir da Costa da Caparica a Cascais para apanhar o sustento”, conta Hugo Pinheiro, atleta almadense que foi cinco vezes campeão europeu e quatro vezes campeão nacional de bodyboard.
“A praia do Bexiga [o antigo estabelecimento que ocupava a atual Praia Nova, mesmo em frente à lota] foi a minha escola. A minha família era toda dali e foi ali que aprendi a surfar desde os 8 anos”. Criado na Praceta do Bairro Novo dos Pescadores, o bairro dos avós, Hugo fez a escola primária na Costa da Caparica. Aproveitava todos os tempos livres para surfar, embora a escola fosse sempre a prioridade. “Houvesse ou não houvesse ondas, ia todos os dias para o mar. Ficava a boiar ou a surfar até aos meus pais se irem embora da praia.”
Conta-nos que a Costa é um sítio excecional para aprender desportos de ondas. “Temos ondas mais fortes a norte e, se andarmos para sul, em direção à Fonte da Telha, as ondas são cada vez mais fracas. Cada pessoa, cada nível, tem o seu espaço nas nossas praias.” Depois de terminar a primária, veio para Almada estudar. “Ir para Almada foi como ir para um sítio totalmente desconhecido, fazer amigos completamente novos, fora da Costa. Tenho grandes recordações de Almada Velha, onde começámos a sair e onde havia uma diversão noturna gira.” A cidade de Almada surgiu na vida de Hugo como a possibilidade de “explorar um sítio novo”, de partir à aventura, uma coisa que as primeiras viagens de cacilheiro a Lisboa, com os amigos, também garantiam. “Hoje em dia, adoro ir ao Cais do Ginjal numa vertente mais familiar. Vou com a minha mulher e aminha filha jantar e ver o pôr do sol, que é incrível.”
Em Almada recorda ainda o Jardim do Castelo onde se juntava com amigos para fazer piqueniques e usufruir da paisagem “mística” sobre o Tejo.
Findo o secundário, Hugo Pinheiro entrou na faculdade. Informática de Gestão foi o curso escolhido, mas que abandonou no segundo ano para ir atrás do sonho de fazer do bodyboard profissão.
“Disse aos meus pais que queria parar ali os estudos porque me queria dedicar à séria ao bodyboard. Comecei a treinar bastante, não só na praia, como fora de água. Queria mesmo ser bom. E já que me estava a dedicar a isso a 100%, tinha de treinar a sério e os resultados apareceram. Fui logo duas vezes campeão da Europa e, depois, campeão nacional.” Os pais não gostaram muito da ideia de deixar a faculdade, mas “rapidamente perceberam que era uma coisa que me deixava muito feliz. Hoje em dia, é mais normal ser-se surfista profissional do que há 20 anos (que foi quando tudo isto começou). Mas, tiveram a capacidade de perceber e de me ajudar. Sempre tive o apoio deles e tenho de agradecer muito isso.”
Hugo Pinheiro abraçou, então, uma vida exigente que implicava “treinar todos os dias no ginásio, na praia e surfar de norte a sul do país. Temos de procurar os sítios com as melhores ondas, temos de treinar ondas de vários tipos. Quando se está num nível profissional tem de se ser bom em todas as condições. Esteja tempestade, esteja o mar flat [raso]. Procurei ser um surfista completo, em todos os mares e em todas as situações.”
A profissão levou-o a viajar pelo mundo. “Posso dizer que sou um felizardo por poder surfar pelo mundo inteiro, por conhecer sítios magníficos como a Austrália, a Indonésia, o Havai… Mas sou um apaixonado pela nossa terra, não só pela ligação ao mar, mas também pela qualidade de vida que temos aqui, que é de louvar e de agradecer.”
Hoje em dia, Hugo Pinheiro trabalha na área do turismo. “Sabemos que a vida de atleta não é para sempre. Na altura em que ia ser pai, comecei a pensar em algo a que me pudesse agarrar quando a minha carreira terminasse.” Hugo organiza passeios turísticos onde, além de uma componente desportiva, dá a conhecer a natureza e a cultura da Costa da Caparica. Das paisagens a partir das falésias da Arriba Fóssil aos antigos caminhos entre a Fonte da Telha e a Lagoa de Albufeira calcorreados por antigos pescadores da Costa - um caminho que aprendeu com o avô -, Hugo partilha, agora, a história da comunidade local com os muitos que querem conhecer a genuinidade deste território.
E a propósito de genuinidade e identidade, Hugo fala-nos da Rua 15, um dos primeiros bairros de pescadores na Costa, onde a bisavó tinha casa. Este “é um local que também marcou a minha vida, não só por ser um bairro onde estavam as pessoas da terra, como por passar ali a tradição dos Santos Populares. No São João acabamos todos por nos reunir e estamos ali em festa, a comer umas sardinhas. É importante mantermos estes sítios que mostram a nossa cultura e mantêm a nossa família.”
Regressamos à Cova do Vapor onde, como explicou Hugo Pinheiro, encontramos a onda mais forte da nossa costa, fruto da junção das forças do rio com o mar, ajudada pelo pontão virado em direção ao Bugio. Nesta zona, a alguns quilómetros da costa encontramos ainda o Mar da Calha, um local entre o Bugio e as praias de S. João da Caparica e da Cova do Vapor, onde as ondas surgem de maneira aleatória, “ao calha”, tendo um estatuto mítico entre os pescadores dado o seu perigo. Hugo teve oportunidade de explorar, de surfar, e de apresentar esta onda rara no documentário Mar da Calha.
O filme, disponível online, conta ainda a história da comunidade local, das suas gentes. “Já tive uma carreira muito intensa, já conquistei muitos títulos e, de alguns anos para cá, desde que saiu este documentário, comecei a trabalhar nesta vertente de criação de conteúdos, de contar histórias. E cada história que consigo contar é uma vitória para mim. Continuo a fazer o desporto que gosto e, ao mesmo tempo, mostro a minha cultura.”
Hugo Pinheiro diz ser “impossível” sair da Costa da Caparica. Mesmo tendo viajado pelos “quatro cantos do mundo”, as raízes permaneceram e cresceram aqui. Na terra e no mar da Costa