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Percursos de autor - João Tempera

João Tempera

Por entre livros de poesia, ensaios, romances e outros tantos géneros literários encontramos o almadense João Tempera. Ator, realizador, músico. Amante de livros e da convivialidade, João trouxe-nos à livraria Escriba, na Cova da Piedade, “uma verdadeira livraria de bairro”.

Texto de Joana Mendes
Fotografias de Luís Filipe Catarino

O pai costumava dizer que se dependesse deles (da família) “nunca faltaria nem comida nem livros” na vida de João. É, por isso, leitor desde muito novo e é também desde adolescente que conhece Rosa Alface, dona da livraria que frequenta há mais de um par décadas, ainda quando se situava perto da Emídio Navarro, escola que frequentou.

Apesar de pequeno, percebemos que este é um espaço onde cabem muitas coisas. Além de livros, cabem encontros, partilhas e conversas pontuadas pelo café que Rosa faz questão de oferecer a quem a visita. “Sempre me senti muito bem na companhia da Rosa, nas conversas que vamos tendo”.

Durante a pandemia, em alturas de confinamento, João Tempera chegou a distribuir de bicicleta os livros que Rosa vendia online. Este era “um bom pretexto para sair de casa, espalhando livros pela cidade”.

A ideia de “fazer os livros circular” trouxe alento ao projeto Aletria – Biblioteca Itinerante, acolhido pela Associação Cultural Casa Invisível. Um projeto que João Tempera partilha há alguns anos com os amigos Susana Pires e Luís Pulido e que agora ganha vida através de uma carrinha transformada numa biblioteca acolhedora, que percorre as ruas da cidade.

A Aletria – um jogo de palavras entre alegria e letra – é uma biblioteca com “estantes recheadas de livros infantojuvenis, ensaios para adultos, literatura internacional, poesia, literatura lusófona para todos os públicos e todas a idades”.

Com as suas primeiras viagens feitas durante o festival Sementes – Mostra Internacional de Artes para o Pequeno Público, a biblioteca Aletria vai agora percorrer jardins, praças, largos e ruas de Almada, oferecendo livros de qualidade para consulta e empréstimo, além de estarem pensados programas com debates, tertúlias ou cinema ao ar livre.

Esta é “uma ideia de cidade em que acredito. Almada, para mim, sempre foi uma cidade de cultura. É uma cidade que deve a sua identidade, entre muitos fatores, ao associativismo que deu origem a muitas companhias de teatro, muitas bandas de sociedades filarmónicas, muitas bandas de garagem, muitos artistas que faziam as suas comunidades. E a Aletria quer trazer as pessoas para a rua e ser uma espécie de polis de convívio, alegre, informal, mas que ao mesmo tempo traga os assuntos do Mundo para a conversa.”

João Tempera é adepto da rua, de usufruir do espaço público, num tempo em que “é fundamental contrariar a tendência dos ecrãs, do sofá, do isolamento”, diz-nos o ator, que destaca a vivência na Rua Cândido dos Reis. Ali o filho pode brincar à vontade. “Eu gostei de brincar na rua quando era criança, foi fundamental para o meu crescimento, e vivo numa rua que dá essas condições.”

Os jardins de Almada, o Parque da Paz, os miradouros são, também, locais que fazem parte dos itinerários do ator. “Gosto muito de andar de bicicleta e o meu filho também me acompanha.

Vimos muitas vezes a este jardim [estamos, agora, no jardim da Cova da Piedade]. Um jardim que foi importante para as primeiras quedas do meu filho e para as primeiras vezes que se levantou sozinho.”

João Tempera fala-nos, também, de um pequeno cais que fica entre a Lisnave e a ETAR da Mutela. “Há um caminho escondido, que muito pouca gente conhece, que vai dar a um ancoradouro de barquinhos de pesca e que tem aquele ar abandonado mas que, ao mesmo tempo, tem uma vista enorme sobre o estuário.”

Durante a conversa, há tempo para falar sobre teatro. Mesmo antes de saber que ia fazer percurso na área, João Tempera era já um espetador assíduo do trabalho da Companhia de Teatro de Almada (CTA). Depois de ter estado dez anos no Teatro da Comuna, João Tempera colaborou com a CTA, onde teve “o prazer de estar durante quatro anos e trabalhar com encenadores” como o Rodrigo Francisco, Toni Cafiero – que na peça O Feio lhe mostrou uma experiência radical em teatro – e Peter Kleinert (A Boa Alma de Sé-Chuão).

Junta-se à vasta lista de trabalhos em teatro a interpretação de Não me faças perder tempo, uma peça dirigida por Rui Neto, que, até 24 de julho, sobe ao palco do Teatro Aberto, em Lisboa. A este papel, somam-se muitos outros papéis que João Tempera tem trabalhado, com entusiasmo, ao longo da vida. O dos livros - estejamos atentos às paragens da biblioteca itinerante Aletria. O da música - onde cultiva o projeto independente João e a Sombra . O do cinema - vejamos O Assalto, uma curta-metragem com Ruy de Carvalho e Filipe Duarte, ou o documentário Na Margem: uma história do rock, um filme onde trabalhou com Rui Berton e Davide Pinheiro e que conta a história de 50 anos da história do rock em Almada. E, claro, o de pai - talvez encontremos o pai João e o filho Fausto, de bicicleta, na próxima vez que visitarmos o Jardim da Cova da Piedade.