Skip to main content

Percursos de autor - Luís Quinta

Luis Quinta

Foi num dos dias tempestuosos de setembro, com direito a fortes chuvas e trovoada, que combinámos a conversa com Luís Quinta num dos apoios de praia no paredão da Costa da Caparica. Um cenário que parecia comprometer o trabalho que se avizinhava. “Daqui a pouco já vem algum sol e a foto fica bem”, disse-nos Luís. E, a verdade é que passados alguns minutos do início da nossa conversa, já o sol raiava o mar da Costa da Caparica, dando-nos uma pista sobre a estreita relação deste almadense com a Natureza.

Texto de Joana Mendes
Fotografia de Luís Filipe Catarino

Luís Quinta é fotojornalista e realizador de filmes de História Natural com mais de 30 anos de carreira. A paixão pelo mar e pelos seus habitantes surgiu desde muito novo. Aos 14 anos começou a mergulhar em apneia, apenas com barbatanas e máscara, em Sesimbra, onde passava férias e onde o mar calmo lhe permitia ver, mais facilmente, a bicharada que por ali ocorria.

“Vai ali ver os peixes que aquilo é giro”, incitava o pai, “um curioso de fim de semana” que, de máscara, tubo e barbatanas, dava por ali umas voltas e estimulava a paixão do filho pelo mar. Uma paixão à qual aliou o gosto pela fotografia e, mais tarde, pelo filme.

Passados uns anos, começou a mergulhar na Costa da Caparica e daí partiu para o mundo. “Andei pelo país todo, de norte a sul, pelo mundo inteiro, no Mediterrâneo, no Índico… Até que cheguei a 2010 e comecei a focar-me mais no território de Almada. Morava aqui em frente, tinha aqui um património pouco conhecido, pouco documentado. Porque é que havia de ir para as Bahamas se tinha aqui coisas interessantes para ver, para retratar, para partilhar?”.

A par do tempo dedicado à exploração da zona costeira, Luís Quinta começou a fazer incursões no mar alto, a 2 milhas (cerca de 3,7 km) da costa, “onde já se veem peixes-lua, espadartes, golfinhos, tubarões, baleias… Uma fauna mais pelágica, com outra dimensão e outro impacto visual”.

E se no mar alto ao largo da Costa da Luís Quinta e Álvaro Rodrigues na Taberna do Faustino, Fonte da Telha Caparica, que continua a explorar, Luís Quinta retrata gigantes marinhos, nos pontões rochosos desta frente atlântica o fotojornalista capta fauna e flora de menor dimensão, mas não menos diversa. Luís Quinta fala do esporão do Marcelino, na praia de Santo António, onde todos os anos mergulha. “É um dos esporões mais compridos aqui da Costa da Caparica e que, na ponta, é mais fundo”, chegando a ter entre 8 a 10 metros de profundidade, quando há menos areia, o que “faz uma grande diferença” na presença de pequenos animais como anémonas, camarões, cabozes.

É com orgulho que fala da riqueza do património natural das águas ao largo da Costa da Caparica. Um facto demonstrado num trabalho científico publicado pela Universidade de Aveiro, durante a Conferência Mundial dos Oceanos – Lisboa 2022, que mostra que “uma das zonas de maior produtividade e de maior biodiversidade da costa portuguesa é aqui, entre Cascais e o Cabo Espichel”. “

Desde os maiores animais do planeta, como as baleias-comuns, aos pequenos organismos do plâncton, temos aqui uma biodiversidade gigantesca de peixes, de cetáceos, de invertebrados. Isto tudo à minha porta.”

Para Luís Quinta, mergulhar no mar continua a ser sinónimo de aventura. “Às vezes saio da Trafaria e vou até ao Cabo Espichel, volto e vejo meia dúzia de aves. Há outras vezes que [no mesmo percurso] vejo dez espécies de aves marinhas, baleias, tubarões, peixes, espécies que nunca vi ocorrerem aqui. O que nós sabemos é uma ínfima parte”, diz Luís Quinta, que trabalha de perto com biólogos, cientistas e investigadores. Mas, não é só à comunidade científica que o fotojornalista recorre. Há um trabalho de proximidade, também, com os pescadores locais. Álvaro Rodrigues, nascido e criado na Fonte da Telha, é um dos pescadores que fornece a Luís informação sobre o que vê no mar ou o que apanha nas redes. Álvaro faz parte do grupo de pescadores “que têm um bom conhecimento do mar, do território. Com eles monto um puzzle. Eles contam- -me umas coisas, a ciência conta-me outras, eu observo outras. E começando a juntar essas camadas todas, consigo tirar as minhas conclusões para ser objetivo no que ando à procura”.

Nesta procura, acompanham-no, por vezes, os filhos a quem Luís apelida, carinhosamente, de “Sereia” Íris e “Tubarão” Martim. E, se já o ditado dizia “filho de peixe sabe nadar”, não nos espantamos em saber que são ambos estudantes de Biologia. Íris, de Biologia Marinha, Martim, de Biologia, dedicando-se, também, à ilustração científica e ao desenho de campo. “Desde pequeninos que vão para o mar, veem os bichos, andam nas poças de água a ver os animais. Desde novos que começaram a ter atenção, a perceber as coisas, e tomaram o gosto.”

Vamos poder contar, em breve, com o livro Mar da Minha Terra – Almada Atlântica, uma publicação feita a dois, pai e filho, com fotografias de Luís e ilustrações de Martim, apoiada pelo Município. Um livro que surge no seguimento do documentário realizado por Luís Quinta com o mesmo nome (e que pode ser visto na íntegra no canal de YouTube da CMA). Ainda sobre projetos em curso, o fotojornalista fala-nos sobre a série documental, As Maravilhas do Mar Português, onde parte das filmagens foram feitas nas praias da Sereia, do Castelo e do Pescador. “São praias onde vou muitas vezes filmar os animais na maré vazia, onde ficam umas poças muito grandes, fundas e contínuas. Há ali uma quantidade de animais incríveis, que as pessoas nem sonham”.

Apesar de, hoje em dia, trabalhar pouco em terra firme, não deixamos de destacar a fotografia de vida selvagem e de geologia captada em habitats terrestres que levou Luís Quinta em viagens por todo o país e além-fronteiras. Mas, quando perguntamos o que prefere, a resposta é perentória – “Prefiro fotografar no mar, é a verdadeira aventura. A qualquer momento posso encontrar coisas não descritas, nunca vistas, comportamentos invulgares, é muito mais estimulante do que em terra. (…) Saio de barco, vou por aí fora, vejo os bichos, filmo, fotografo, há mais aventura e liberdade”.

E, quando perguntamos pelo trabalho feito em locais como o Parque da Paz ou na Mata dos Medos, Luís insiste. “Eu gostava mais de falar do mar porque as pessoas veem isto como uma zona balnear que tem aqui uns gelados e umas caipirinhas.

Gostava que o mar fosse visto de maneira diferente porque é muito rico. Se as pessoas souberem que há ali muita coisa notável pode ser que fiquem vaidosas, tenham orgulho.

Se elas gostarem do que veem e acreditarem que há ali bichos fantásticos, para mim, já é bom. Se, depois, ficarem apaixonadas por isto e mudarem os comportamentos, melhor. A mensagem foi mais eficaz.”