A Enciclopédia da dor. Tomo I: Que isto não saia daqui - 40º Festival de Almada
No futebol, os guarda-redes atingem por vezes os píncaros da glória, mas são também aqueles de que primeiro nos esquecemos. Por isso Pablo Fidalgo escolheu colocar um destes jogadores no centro da sua Enciclopédia da dor. É ele quem distribui o jogo e nos convoca para uma viagem dolorosa, mas sem dramatismos excessivos. O tom de toda a récita é ameno, indo bem com a peculiar cadência porteña que o ator Gonzalo Cunill imprime ao castelhano. Assim se desenrola esta catarse, como nos explica o autor: “‘Que isto não saia daqui’ era uma frase que a minha e outras mães costumavam dizer aos seus cachopos. Selava um pacto de silêncio”. Foi a capa do jornal El país de 31 de Maio de 2021 — em que era publicada uma fotografia do colégio religioso galego que o autor frequentara, com uma reportagem sobre alunos que haviam sido abusados sexualmente nos anos sessenta — que esteve na origem deste projeto.
“Esta enciclopédia apresenta-se como um grande exercício para elencar e classificar formas de violência exercidas ilegitimamente por uma autoridade que destruiu as vidas de muitas crianças. Chega sempre um momento em que uma cidade e uma sociedade apodrecidas têm de enfrentar a verdade”, afirma Fidalgo. Nesse dia a máscara do silêncio cai. “Tudo aquilo que ocultei um dia, não vou poder continuar a ocultá-lo. Por isso falo, e por isso existe esta peça. Isto sairá, finalmente, daqui”. Estamos perante um teatro “que escava e desenterra: um teatro sem ‘teatro’”.
Por Elena Artes Escénicas (Espanha).