"Guerreiro" de João Cutileiro
Os GUERREIROS (fig. 1) estão presentes no trabalho de João Cutileiro desde o início dos anos setenta do século XX. São peças desenvolvidas a partir da sobreposição de blocos e associando frequentemente materiais recolhidos ao acaso. Surgem com o propósito de exorcizar a guerra e o horror que lhe está associado.
Os Guerreiros de Cutileiro são brinquedos, memórias dos Meccano que lhe preencheram a infância, heróis autómatos, comandados por forças que os transcendem (fig. 2. e 3.).
A estátua de Dom Sebastião (fig.4.), feita para Lagos em 1973, é o expoente máximo deste tema na obra de João Cutileiro. Uma obra em que ressalta, sobretudo, a imagem da juventude do rei, menino-boneco às mãos dos seus próprios sonhos, de armadura incómoda e elmo desmesurado aos pés. Sobre esta peça, José Augusto França, adivinhando a revolução estética e mental que ocorria, observou: “João Cutileiro remou contra a imagística do costume, por talento próprio, de escultor, mas também por entendimento mental (…) Na sequência de imagens de rotina, que pouquíssimos rasgos de verdadeira escultura interromperam aqui e ali, a estátua de D. Sebastião constitui uma ruptura escandalosa”. Ruptura com um tempo que o ano seguinte libertaria e que permitiria, também a João Cutileiro, trabalhar em Portugal, em liberdade.
Passados 50 anos sobre o 25 de abril de 1974 e consequentemente sobre o fim das guerras coloniais, não podemos deixar de homenagear os almadenses que perderam a vida em combate, em guerras injustas e incompreensíveis, como é a essência da guerra, que transforma homens/meninos em máquinas. Neste contexto, o trabalho do escultor João Cutileiro é absolutamente adequado à homenagem que se presta a quantos jovens se viram forçados a fazer a guerra, de “armadura incómoda”.
Este GUERREIRO, que passará a fazer parte da coleção de arte pública do município de Almada, resulta da ampliação de uma peça datada dos anos 90, da coleção de Margarida Lagarto, viúva do escultor, que autorizou e acompanhou todo processo.
Aos Almadenses que combateram e perderam a vida nas guerras coloniais, deixamos aqui expressa a homenagem do Município:
Adelino de Sousa Santos - Trafaria; António Guilherme Graça Silva - Laranjeiro; António Lourenço Mendes Pereira – Fonte Santa, Monte Caparica; António Luís Nunes Franco – Trafaria; Carlos Alberto Silva Dionísio – Charneca da Caparica; Carlos José dos Santos Figueiredo – Cova da Piedade; Carlos Manuel Santos Martins – Cova da Piedade; Francisco José Pereira Nunes de Castro – Almada; Henrique Manuel da Conceição Joaquim – Trafaria; Higino Fernando Carranço Arrozeiro – Almada; João Augusto da Conceição Coelho – Monte da Caparica; Joaquim Fernando Marques Baptista – Monte da Caparica; Jorge da Graça Fernandes – Cova da Piedade; José Pedro Tavares das Neves Caetano – Monte da Caparica; Júlio Fernando Sombrinha Pereira – Cova da Piedade; Marçal Madeira de Moura – Vila Nova da Caparica; Mário Soares Luís – Almada; Rodolfo Geraldes Henriques – Almada; Vitor Manuel Martins de Almeida – Trafaria; Vitor Manuel Pais – Cova da Piedade.
Almada, 18 janeiro de 2025
Legendas das imagens
Fig. 1 – Guerreiros – década de 90 do séc. XX (coleção particular)
Fig. 2 – Guerreiro – Almourol, 1998
Fig. 3 – Guerreiro – Fundação Calouste Gulbenkian, 1995
Fig. 4 – D. Sebastião, Lagos, 1972
Fig. 5 – Guerreiro, Almada, 1990 – produção 2024