Para Margarida Medeiros, in memoriam
Venham mais cinco foi uma ideia que surgiu no Verão de 1993, quando Margarida Medeiros e Ana Soromenho me desafiaram para produzir uma grande exposição com as imagens dos fotógrafos estrangeiros que haviam retratado o processo revolucionário português. No ano seguinte seria comemorado o vigésimo aniversário do 25 de Abril.
Eu acabara de organizar O Mês da Fotografia, um conjunto de exposições, que incluíam Trabalho, de Sebastião Salgado, e a colectiva Magnum no Leste. Estava em diálogo com alguns dos autores que queríamos contactar. Margarida e eu rumámos a Paris e mergulhámos nos arquivos das grandes agências internacionais, vasculhando milhares de provas de contacto.
Para nossa tristeza, a exposição não se pôde fazer em 1994. Não era politicamente oportuna. Em 1999, transformei o desejo da mostra no meu primeiro documentário, Outro País, que aborda quase o mesmo tema. Participaram Sebastião e Lélia Salgado, Guy Le Querrec, Jean Gaumy e Dominique Issermann, entre outros.
Apesar da existência do filme, ao longo de três décadas, nunca desistimos da exposição. Margarida e eu reescrevemos várias vezes a proposta. Finalmente, em 2023, graças à insistência de uma amiga comum, a jornalista Kathleen Gomes, conseguimos que a Comissão Comemorativa do Cinquentenário do 25 de Abril advogasse em nosso favor junto do Ministério da Cultura. De repente, a porta se abriu.
Três décadas depois, muitos dos arquivos tinham mudado de mãos, alguns tinham desaparecido. Nem todos os fotógrafos continuavam vivos.
Três décadas depois, a exposição vai abrir as suas portas. Entre o início da nossa pesquisa, no Outono de 1993, em Paris, e o seu recente desaparecimento, Margarida tinha se transformado numa das maiores especialistas de fotografia em Portugal, autora de livros de referência, curadora de exposições e responsável pela formação de várias gerações de estudantes. Esta exposição nasceu da nossa amizade.
Portugal no centro do mundo
Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, Portugal foi manchete quase diária de toda a imprensa internacional. Nunca nada de semelhante acontecera ou viria a acontecer no país, por um período tão largo de tempo.
O fim abrupto de uma ditadura de 48 anos, o início da democratização que parecia seguir por caminhos inesperados, as dúvidas a respeito do processo de independência de grandes países africanos, tudo fazia com que o mundo inteiro voltasse os olhos para Portugal. De um dia para o outro aterraram em Lisboa fotógrafos das maiores agências internacionais, jovens e veteranos, que captaram imagens por todo o país, acompanhando a sucessão vertiginosa dos acontecimentos.
Muitos vieram em missões de curta duração, outros instalaram-se vários meses para perceber e retratar o que se passava. Quase tudo era surpreendente para os estrangeiros: a situação política inédita num país europeu, o quotidiano dos portugueses, a forma como a política entrava na vida da população. Eram fotógrafos experientes. Tinham um olhar incisivo, procuravam imagens para as capas das revistas de maior tiragem, mas também revelavam empatia, encantamento e genuíno interesse antropológico. Durante cerca de um ano e meio fotografaram tudo.
A galeria de imagens começa no final de Abril, quando o golpe de Estado do Movimento das Forças Armadas se transforma em revolução, com as ruas cheias de uma população a quem fora pedido para ficar em casa, e que, pelo contrário, subia para cima dos tanques, entregava café e flores aos soldados, gritava e chorava de alegria. Seguem-se imagens da detenção dos agentes da PIDE (prémio World Press Photo 1974, de Henri Bureau), mas também fotografias de cravos nas espingardas que transmitiram ao mundo esse novo conceito: a revolução dos cravos.
Muitos fotógrafos estavam na tomada da PIDE/DGS, na chegada dos exilados políticos e na irrepetível manifestação do primeiro de Maio de 1974, com soldados e marinheiros abraçados a uma população feliz como nunca fora.
Nos meses que se seguiram, quando tudo podia acontecer e a surpresa era a regra do quotidiano, os fotógrafos seguiram as ocupações de fábricas, as nacionalizações, a Reforma Agrária, as Campanhas de Dinamização Cultural promovidas pelo MFA, o surgimento dos partidos políticos, as campanhas eleitorais para a Assembleia Constituinte.
Os mesmos fotógrafos voaram para Angola e Moçambique, procurando retratar o processo de descolonização e o regresso massivo de portugueses que viviam em África.
A partir da segunda metade de 1975 transmitiram para o mundo imagens de um país dividido, com ataques às sedes do Partido Comunista e a outros movimentos de esquerda. Seguiram as ocupações do Jornal República e da Rádio Renascença, bem como a politização crescente da igreja católica. Retrataram, finalmente, as tensões no exército, o conflito militar latente no 25 de Novembro e o sentimento de orfandade de alguns militares na base de Tancos.
Depois do 25 de Novembro, os fotógrafos estrangeiros deixam gradualmente o país. Alguns tornam-se estrelas maiores do mundo da fotografia. Portugal terá sido um balão de ensaio, onde puderam provar que tinham a distância e a sabedoria para sintetizar em imagens um processo extremamente complexo.
Neste catálogo, tal como na exposição, as fotografias não surgem sempre de forma cronológica. São agrupadas por temas e também se articulam numa narrativa dramática, onde duas imagens de momentos diferentes podem estar lado a lado por contraste, estabelecendo choques e pontes.
Após 50 anos, alguns arquivos desapareceram. Por esta razão, em casos excecionais, quando não houve acesso a negativos nem a provas em papel, decidiu-se reproduzir imagens publicadas em livros. À data de hoje é única forma de partilhar imagens únicas, de um período decisivo da história de Portugal.
Venham mais cinco
É o título de uma célebre canção de José Afonso, escolhida pelos militares do MFA para ser tocada no Rádio Renascença na madrugada de 25 de Abril de 1974, como senha do início do golpe militar. Mas, dois dias antes, perceberam que a canção estava numa lista negra e não poderia ser transmitida sem levantar suspeitas. Decide-se então usar outro tema de José Afonso, Grândola (não proibido), para sinalizar o início do golpe. Ao escolher Venham mais cinco como título desta exposição, prestamos homenagem à grandeza única de José Afonso e ficamos à espera de mais cinco revoluções.
Sérgio Tréfaut